Agressões no futebol: Será desta que o futebol sai vencedor?
Foto: Jornal de Notícias
Há muito tempo que o futebol deixou de ser uma diversão. Um acontecimento para ver em família. Para aqueles que se esqueceram, ou nem sequer sabem do que falo, pesquisem por Leão da Estrela, no Google.
O futebol acende paixões, mexe com os sentimentos e faz emergir os instintos mais básicos da raça humana. Ao longo dos anos, temos assistido a verdadeiros massacres de vidas humanas provocados por pessoas que deveriam ser impedidas de circular na rua e, muito menos, ser autorizadas a entrar num estádio de futebol. Mesmo nos campos pelados.
Ontem, quando vi as imagens da agressão ao árbitro José Rodrigues aos dois minutos de jogo Rio Tinto-Canelas, da Divisão Elite da Associação de Futebol do Porto, só pensava na expressão canela até ao pescoço. É isso que tem sucedido com esta equipa de pessoas que se unem para trazer ao futebol aquilo que tem de pior. Equipas destas deveriam ser proíbidas de jogar. Estão ao nível daqueles miúdos que, em criança, os pais nos diziam: se o fulano jogar, vens embora!
E lá íamos, brincar, de bola debaixo do braço, a rezar para que o "fulano" não aparecesse em campo. E, quando o jogo aquecia, fazíamos tudo para tentar esconder dos pais os encontrões, os pontapés, as ofensas verbais. Não era anjinho, desde cedo aprendemos a conviver com o ambiente que nos rodeia, temos de nos saber defender.
Na escola, era habitual a realização de um campeonato de futebol. Entravam em campo os "agarraAki" e outras equipas cujos nomes eram herdados de ano para ano. Nas "bancadas", as raparigas compunham a claque, principalmente se em campo estivesse o Ronaldo da escola (na altura as estrelas eram mais maradonas e ainda eusébios). E não se trata de sexismo. Elas, simplesmente, não gostavam de jogar. Na minha turma, havia uma jogadora, e jogava!
Durante os jogos, multiplicavam-se os cânticos: "É canja, é canja, é canja de galinha, para vencer o 7ª B é preciso levar na pinha! É canja, é canja, é canja de perú, para vencer o 7º B é preciso levar no..."
Os fulanos tomaram conta do campo e eu recuso que me digam que o futebol é assim!
Por vezes, os ânimos exaltavam-se. Encontrões, ofensas verbais, e os árbitros (também alunos da escola) não escapavam aos ataques. Recordo-me de uma vez e que estava a arbitrar e de ter mostrado um cartão vermelho depois de uma entrada violenta.
Resultado, o agressor veio direito a mim e com um valente pontapé rasteiro deitou-me ao chão. "Tens a certeza que queres expulsar?" No chão, eu mais pequeno que o "valentão", ainda pensei em recuar. Afinal, estava a antever levar uma tareia de um fulano completamente descompensado. Mas, levantei-me e de pernas trémulas, apito na boca, ergui de novo o cartão!
Recordo que na altura valeu-me a intervenção de um grupo de outros rapazes que arrastaram o agressor para fora do campo. Mas mantive a minha decisão e, durante o resto do jogo, só pensava na tareia que ia levar à saída da escola. Porque é assim que funcionam os cobardes. Sempre foi assim e, por mais anos que passem, ainda é assim que funcionam.
Por isso, sempre que ouço falar dos árbitros, das agressões, das ameaças, daquilo que sofrem na pele, ainda me questiono como há quem aceite ser árbitro. E não é pelo salário! Eu, devo dizer, sempre que havia um jogo para arbitrar, depois daquele, fazia tudo para ser substituído no papel. Apesar de ter conseguido reunir uma tropa que me protegeu e impediu ser sovado por um grupo de inergúmenos na época, fiquei sempre com receio.
Nos dias de hoje, ainda fico perplexo com o facto de haver dirigentes, treinadores, pessoas com responsabilidade no mundo do futebol, a proferirem palavras que incentivam à violência no futebol sem serem punidas, corridas do futebol.
Mas, como jornalista, ainda me choca mais o facto destas afirmações terem espaço mediático. Tal como abomino os comentadores, horas sem fim nas televisões portuguesas, a esmiuçar um lance, a colocar nos árbitros a culpa dos resultados de jogos. Lances que, muitas vezes, deixam dúvidas mesmo quando vistos em câmara lenta, de diversos ângulos. Percebem que o árbitro tem de decidir em frações de segundo e apenas tem um ângulo de visão?
Os árbitros erram, são comprados? Não sei. Esse é um tema que a justiça do futebol deve tratar com rigor. Mas, a pressão dos adeptos deve estar focada neste ponto e não na violência em relação a pessoas de outros clubes ou árbitros!
Mas, apesar das palavras de indignação, ninguém faz nada e permite-se que grupos organizados tomem conta do futebol, dos estádios, que impeçam um pai de levar os filhos ver a bola! Agora, até na seleção nacional. Será que todos temos de pagar milhões por ano, gastos com a polícia mobilizada para "proteger" aqueles que promovem a violência no futebol?
Em Inglaterra, onde os hooligans fizeram escola, as medidas foram duras. Identificados e impedidos de se aproximarem dos estádios de futebol. Esta foi a única forma de minimizar as agressões e tumultos existentes no futebol. E cá, não se pode fazer o mesmo? Não se sabe quem são?
Não me interessa absolutamente nada o clube a que pertencem. Como disse, há muito que deixei de ter interesse em ir aos estádios por causa da violência. Fui, nos últimos anos, por questões profissionais. Mas dificilmente me arrastam para lá voluntariamente.
Não gosto de futebol? Gosto, e bastante! Mas abomino as cenas de violência a que se assiste. E não pensem que a violência está reservada apenas aos árbitros, adeptos ou jornalistas. Os jogadores de futebol também têm visitas das claques e precisam de manter as relações em níveis "elevados" de forma a garantir a sua segurança e da família.
O que acham de ver um grupo de bandalhos a agredir um pai, nas bancadas, perante o olhar de pânico do filho menor? Assisti a isto vezes demais nos jogos que fui cobrir. E não me refiro ao caso da criança que se urinou ao ver o pai agredido por um polícia. Porque, quando olhamos para este contexto, os jogos de futebol tornam-se numa batalha campal onde a nossa essência mais primata se impõe. Polícia ou adepto!
Nas imagens recentes do Canelas, a decisão do árbitro foi mais do que justificada. O agressor agarra o jogador adversário com a mão esquerda, pelas costas, e acenta-lhe uma direita na face. Não se tratou de lançar o cotovelo para trás como afirmou o agressor a um canal de televisão (para espanto de muitos) e replicado por comentadores. Terá havido alguma crispação verbal por parte do jogador do Rio-Tinto, pelas imagens não se percebe. Mas no futebol, este tipo de violência deve ser eliminada.
E, quanto à atitude de Macaco (nome que o jogador e capitão do Canelas exibe na camisola), falta referir que foi o primeiro a correr para o ábitro, dando-lhe um encontrão. Depois, sim, mais calejado nestas situações, tenta apaziguar os ânimos. Mas não impediu que o colega de equipa espetasse uma joelhada na cara do árbitro, provocando a fratura do nariz.
Desta vez, talvez seja feita justiça. O jogador foi corrido do clube, mas será que as entidades competentes vão ter um olhar sério sobre aquilo que se está a passar no mundo do futebol?
Porque, como diziam os meus pais, os fulanos tomaram conta do campo e eu recuso que me digam que o futebol é assim!